segunda-feira, 27 de junho de 2011

Anomalias Evolutivas: Humandróides

Eu: andróide esquizofrênico.

Sou minhas próprias próteses.

O carro -  extensão das pernas
A lupa - extensão dos olhos
Do estômago - a panela.
O telefone para o ouvido
E conectado, totalmente: a tela.

Do medo, a unha arma
extensão do meu ódio, do meu receio.

Para cruzar a fronteira, a coleira
O abismo sem  frio na barriga: o limite seco
A queda em pleno voo.

Já não há liberdade nessas asas sem imensidão.

A palavra asa
rompe o casulo desajeitada, sem direção.

A palavra asa
fora do corpo ave
tomba, ferida no chão.

Já não há liberdade nessas asas sem imensidão.
@Ana Ribeiro

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Infância em todos os sentidos


O cheiro da terra molhada, do perfume da tia, da merenda do pré. O cheiro do carburador da Brasília, da laranja cravo, da venda do Zé. A fragrância da amiga da escola, do bolinho de chuva, do mimeógrafo. O cheiro da acetona da irmã vaidosa, do quarto de despejo. O cheiro da fazenda. O olhar doce da mãe, o olhar bravo do pai. O olhar orgulhoso do pai, repreensivo da mãe. O crepúsculo aos pés do Rosário. O olhar ciumento da irmã, o admirar auspicioso da avó. O olhar zombeteiro do melhor amigo. O beijo na mãe, aperto de mão dos colegas, o abraço na amiga, mão no ombro, lado a lado. O barulho da chuva forte na janela, o ronco estridente do motor da Brasília, a barafunda da pipa com o vento, a voz aveludada da tia, o grito da irmã caçula, a música alta no rádio  da vizinha, o canto do canário belga na porta da cozinha, a risada da irmã do meio, o tilintar do sino pascal. O som da igreja cheia, as ordens do irmão mais velho, a campainha esperada da escola, o grito de gol. O gosto amargo da gripe em dias de festa, o sabor do almoço de domingo, o primeiro beijo, a laranja azeda do quintal de casa, a dipirona pra febre, a torta tradicional, a sopa de fubá da cantina, os primeiros goles de cachaça na rua...
@Ana Ribeiro

sábado, 11 de junho de 2011

Eu: um delírio II



A véspera é a pólvora.
O futuro do tempo é agora.
O movimento para lá é incessante
Um instante que eternamente se desintegra
se desintegra e se reelabora . 

O futuro já não tarda.
Está mesmo aqui agora.
Onde? Já se foi?
A palavra bala já atinge o alvo pronta.
Atravessa-o fluido já pingando, desfirme.

O que era porta, vira torta,  via aorta não retorna.
A véspera é a pólvora de pavio curto
que não se inflama
O futuro do tempo é agora.

Eu: um muro, uma ponte, uma corda.
Que não liga, não toca, não prende.
Eu: um elo que não se fecha,
elo sem corrente.

Minha inutilidade é patética.

O tempo: seus passados e futuros somente existem em mim
E eu sou só presente.
@Ana Ribeiro

Sentença

 Todo mundo vai morrer. Mas ninguém devia morrer de câncer. Porque de câncer não se morre... se vai morrendo... O gerúndio como o grande mal...